Ilhéus

Eu sempre achei que não ia ser tão impactada por ele. Como ser impactada por alguém que nunca viu? Nunca sentiu o toque, a respiração, a pele, nada. Ser impactada por alguém que nunca sentiu fisicamente, mas sentiu de mil outras maneiras. 

No momento que o vínculo quebrou, parece que eu tinha largado um saco de pedras, na época já não estava mais legal, estava pesado, denso e confuso. Já não dava mais. Hoje não sei se daria também, mas o meu pensamento daquela época não condiz com quem eu sou hoje, talvez por isso eu pense tanto nele. 

Fiquei um bom tempo sem lembrar dele. Nos conhecemos no começo do ano sete, acho que no segundo mês do ano, no beco do poeta. Eu enfrentando uma barra pesada e ele uma mais pesada ainda. A gente se suportou bem no começo, estava com as feridas um pouco mais cicatrizadas dos que as dele, que estavam abertas e muito recentes. 

Ele tão doce, com um jeito único e uma maneira diferente de ver o mundo, um pouco deprimido, pessimista mas com doçura, é difícil explicar. Quando as feridas começaram a melhorar um pouco, a relação entre a nós, amigos na época, começou a mudar. As mudanças começaram rápidas, rápidas demais. No começo não achei que seria ruim, era jovem e era tudo tão novo, diferente, queria experimentar tudo.

Ainda me aquece o coração quando lembro da noite que ele disse que me amava. Tinha ido a uma festa, algo de gala, não me lembro exatamente, mas lembro que ele estava de terno. Voltou para casa sozinho, um pouco tristonho e bêbado. Me ligou, com o álcool e as palavras de poeta, fez mil voltas e depois disse que me amava, quase como um segredo jogado na madrugada. Lembro do frio da barriga e de não saber como reagir até hoje. 

Eu não sei se amava ele, no momento talvez não. Hoje eu amo, mesmo que de uma maneira diferente, não com um amor romântico, mais como uma lembrança que aquece o coração e gera amor. 

Depois disso foi bom. Gostoso. A gente se curtiu e descobriu muita coisa. Trocamos os mais íntimos segredos e magoas. 

Ele era um poeta, recebia os mais lindos poemas. Mas o que nós éramos? Nem a gente sabia, não tinha como saber, não naquela época. Então essa pergunta começou a atrapalhar tudo. Éramos tudo e nada. Não era meu, assim como eu não era dele. E como lidar com isso? Como lidar com um amor que não é possível, mas que existe. Assim os problemas começaram, ciúmes, saudade, inveja. 

Foram meses de altos e baixos, tentando achar uma maneira de fazer dar certo. Não ia dar. Acabamos no meio do ano. Eu já estava com outra pessoa, ele talvez estava, não sei. E ao acabar cortamos o contato. Adeus, nada de até mais. Adeus. 

Eu esqueci. Apaguei da memória por muito tempo. E um dia lembrei, anos depois. Ele tinha se mudado para longe por outra pessoa. Apaguei da memória de novo. 

Um ano depois voltou. E ele havia voltado para a cidade dele, sem ela. Depois disso, ele volta de pouco a pouco na minha cabeça, quase toda semana. 

Ele tá diferente, parece mais forte. Mas ao mesmo tempo mais frágil. Eu queria poder só te ligar mais uma vez, para saber se está tudo bem, rir de tudo que passou e para você me contar como tudo está. 

Ainda dói um pouco, não posso ouvir a frase "olhos de cigana obliqua e dissimulada" que lembro de você. Se pesquisar no beco do poeta, encontro o poema que fez pra mim. Eu sinto saudade de você, mas não sinto saudade da gente.  






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